A justiça não falha, mas tarda
Já diz o ditado popular que “a justiça tarda, mas não falha”. Em outra perspectiva: não falha, mas tarda. Não é de hoje que o conceito de justiça, de forma ampla, está associado à morosidade, burocracia, ineficiência e a processos lentos e demorados, que muitas vezes se arrastam por anos.
Do ponto de vista histórico, a promulgação da Constituição Federal de 1988 reforçou o protagonismo do Poder Judiciário, colocando-o no centro da vida pública e reconhecendo o livre acesso à Justiça como direito fundamental do cidadão.
No entanto, a estrutura organizacional dos tribunais não acompanhou essas mudanças, resultando em um significativo aumento na demanda por serviços e, consequentemente, na lentidão processual. A enorme quantidade de processos judiciais em tramitação continua sendo um desafio imposto diariamente ao Judiciário.
O CNJ e o Justiça em Números
Desde 2004 o Brasil conta com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), responsável pelo controle da atuação administrativa e financeira dos tribunais. Criado pela Emenda Constitucional nª 45 e instalado em 14 de junho de 2005, o CNJ responde pelo planejamento estratégico de todo o Judiciário e pela fiscalização da conduta dos magistrados.
E desde a sua criação, a instituição publica anualmente o ‘Justiça em Números’, principal fonte de estatísticas do Judiciário brasileiro. O relatório é um retrato da realidade dos tribunais, com informações detalhadas sobre sua estrutura, produtividade, recursos humanos e financeiros, gestão judiciária, tempo de tramitação dos processos, entre outros indicadores.
Produtividade em destaque
Especificamente sobre a produtividade dos tribunais, o ‘Justiça em Números’ traz os Índices de Produtividade dos Magistrados (IPM) e dos Servidores (IPS-Jud), por exemplo, calculados pela relação entre o volume de casos baixados e o número de magistrados e servidores que atuaram durante o ano na jurisdição.
Também detalha os índices por tribunal, revelando as diferenças de produtividade dentro de cada ramo de justiça. Traz ainda números sobre carga de trabalho, casos novos e processos baixados, casos pendentes e tempo de giro do acervo — o tempo necessário para zerar o volume de casos, considerando que não haja ingresso de novas demandas e seja mantida a produtividade de magistrados e servidores.

É possível consultar todos esses números online. Os dados podem ser acessados por meio de um painel, que apresenta os indicadores de forma interativa e pública. O usuário ainda pode exportá-los para consulta posterior. Isso tudo é também uma resposta à sociedade, que muito cobra por celeridade e eficiência do Poder Judiciário.
A informatização dos tribunais
A informatização, especialmente por meio do Processo Judicial Eletrônico (PJe), desempenhou um papel significativo no aumento da produtividade dos tribunais nos últimos anos.
O CNJ criou o PJe, lançado oficialmente em setembro de 2009, e alcançou a aceleração da tramitação processual e a redução da burocracia ao eliminar várias tarefas manuais.
Desde 2012, o percentual de processos que ingressam de forma eletrônica tem crescido de forma acentuada. Segundo o mais recente relatório do Justiça em Números, divulgado em setembro de 2022, 97,2% dos novos processos ingressaram na Justiça brasileira em formato eletrônico em 2021 — veja imagem abaixo.

Ao final de 2021, os processos eletrônicos representavam 80,8% das ações em tramitação e 89,1% dos casos baixados. Além disso, o relatório revela que o tempo médio dos processos eletrônicos é de 3,4 anos — quase um terço do tempo médio de 9,9 anos dos processos em papel.
Esses números dão uma ideia clara de como a tecnologia tem impacto direto na agilidade da Justiça. Da mesma forma as audiências virtuais, amplamente popularizadas durante a pandemia, mostraram que a evolução do Judiciário necessariamente passa por uma adaptação tecnológica. Assim como também a computação em nuvem, a ciência de dados e a inteligência artificial são exemplos de ferramentas que têm muito a contribuir para a produtividade dos tribunais e a agilidade dos trâmites processuais.
Como a tecnologia auxilia na produtividade da Justiça brasileira?
Acesso facilitado à Justiça
O uso da tecnologia possibilita ao cidadão ter acesso à Justiça sem precisar comparecer fisicamente ao fórum. O programa ‘Juízo 100% Digital’, estabelecido pelo CNJ em outubro de 2020, permite que o cidadão escolha que todos os atos processuais ocorram exclusivamente por meio eletrônico, incluindo as audiências e sessões de julgamento, que, nesse caso, são conduzidas por videoconferência.
Assim também o ‘Balcão Virtual’, instituído em fevereiro de 2021, oferece ao público contato com o setor de atendimento de cada unidade judiciária, diretamente no site de cada tribunal, através de uma ferramenta de videoconferência.
Automatização de processos
Ferramentas digitais, atualmente, executam várias etapas do trabalho que anteriormente eram realizadas manualmente. Essa automatização de processos economiza tempo e abre espaço para outras atividades, inclusive trabalho intelectual, que contribui para reduzir o tempo necessário para a resolução de casos.
Audiências virtuais
A possibilidade das partes envolvidas num processo participarem de audiências pela internet, independente de sua localização, economiza tempo e dinheiro das pessoas físicas. Para o Estado, o benefício está justamente na redução de recursos públicos. Essa facilidade acaba se traduzindo em maior rapidez de tramitação, ajudando a desafogar a Justiça.
Acesso eletrônico e integrado
Sistemas eletrônicos possibilitam o armazenamento e consulta fácil de dados e documentos dos processos a qualquer hora e de qualquer lugar, promovendo organização e eficiência. Os benefícios são ampliados quando se integram diferentes sistemas. Hoje um tribunal já pode, por exemplo, agendar, realizar, gravar e transcrever audiências de forma automatizada, com uma só plataforma. Sendo que essas tecnologias são integradas ao seu sistema de processo eletrônico.
Tecnologia aliada à gestão de pessoas e processos
Um fluxo de trabalho eficiente, no entanto, não depende exclusivamente da tecnologia. A modernização do Judiciário agiliza a prestação de serviços, mas o aumento da produtividade nos tribunais envolve necessariamente a devida qualificação e capacitação dos servidores.
Nesse sentido, é necessário considerar a modernização da gestão de pessoas e processos. Também a carga de trabalho e a dimensão da força de trabalho auxiliar — os servidores que auxiliam diretamente o trabalho dos juízes — estão associadas ao desempenho da Justiça e produtividade do tribunal.
Há ainda fatores organizacionais e traços históricos da administração pública brasileira que influenciam, em certa medida, o ritmo e a rotina de trabalho dos tribunais. E, infelizmente, não existe uma fórmula pronta que traga todas as respostas para o aumento da produtividade.
O que há, sem dúvida, é uma permanente expectativa da sociedade. Uma consulta pública realizada em julho de 2022 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) revelou que a agilidade da Justiça ainda é o maior anseio dos cidadãos em relação ao Poder Judiciário no Brasil. Essa informação ajudou o CNJ a definir metas nacionais para o Judiciário em 2023 e colocou em destaque seus dois maiores desafios:
- Agilidade;
- Produtividade na prestação jurisdicional.
Estímulo à inovação no centro do debate
A prova de que a evolução tecnológica é premissa do Judiciário brasileiro está expressa em suas metas nacionais. Durante o 16º Encontro Nacional do Poder Judiciário, que ocorreu nos dias 21 e 22 de novembro de 2022, os presidentes ou representantes dos tribunais do país aprovaram as metas nacionais que o Judiciário Brasileiro deve alcançar em 2023.
Dentre elas, a meta 9 — “Estimular a inovação no Poder Judiciário” –, que prevê a implantação, no ano de 2023, de “um projeto oriundo do laboratório de inovação, com avaliação de benefícios à sociedade e relacionado à Agenda 2030”.
A ONU estabeleceu a Agenda 2030 como um plano que abarca 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) globais a serem alcançados até 2030. Esses objetivos abrangem questões de desenvolvimento social e econômico, como fome, pobreza, igualdade de gênero, meio ambiente e justiça social.
O Poder Judiciário Brasileiro oficializou a Agenda 2030 em seu Planejamento Estratégico em 2015, tornando-se um precursor mundial na institucionalização desse compromisso. Um pacto com a ONU oficializou isso em agosto de 2019.

Para o cumprimento dessa meta, os tribunais são, portanto, incentivados a implantar projetos que estimulem a cultura da inovação e promovam impactos positivos na sociedade. Tudo isso, tendo em vista os ODS estabelecidos pela ONU. É mais um exemplo de como a tecnologia pode ser uma grande aliada do Judiciário, colaborando para a democratização do acesso à Justiça e o exercício da cidadania.